Nascida em Novembro, parto sem complicações, olhos vivos , cabelos pretos, rosadinha, gordinha com peso e altura como manda o figurino. Foi quando passei a fazer parte dessa vida doida em que vivemos. Aos cinco anos, tive uma paralisia súbita, conhecida como mielite transversa. Nunca descobriram a causa exata... provavelmente um vírus atrapalhou o meu sistema imune, que se confundiu, e atacou a minha medula. Imaginem o que é ver uma menina de 5 anos, com uma vida pela frente, parar de andar de repetente. Pânico total!!!
Foram meses de internação, equipe com os melhores profissionais, fisioterapia todos os dias, psicóloga, neurologistas...Depois de 6 meses, período em que pode haver regressão ou progressão da lesão, meu quadro clínico permaneceu inalterado. Estava firmado o diagnóstico: paraplegia completa! Agora era trabalhar pra se adaptar às novas situações.
Desde então levei uma vida como a de qualquer outra criança, com algumas adaptações, é claro. Com mais 3 irmãs, tive a mesma criação que a delas. Estudos, passeios, castigos, festas, brincadeiras...Sempre levei uma vida normal, apesar das críticas das pessoas. Àquela época, no nordeste, era mais fácil deixar um deficiente em casa do que lutar para inseri-lo na sociedade. Devo isso aos meus pais, e com certeza eles também não se arrependeram. Continuo proporcionando orgulho e alegria a eles, as mesmas ou até maiores do que as que esperavam quando me viram nascer.
Sempre quis ser médica e continuei com essa ideia na cabeça. Terminado os estudos, resolvi seguir meu sonho. Passei no vestibular ao fim do terceiro ano. Até ai tudo é festa , né? Maaas, justamente por ter ficado muito tempo sentada para estudar, desenvolvi uma escara, ou úlcera de pressão. Pediram para que eu trancasse a faculdade pois não podia ficar sentada até que essa feridinha cicatrizasse. Relutante a isso, a solução foi assistir às aulas deitada. E assim foram os dois primeiros anos da faculdade. Levava o colchão e um lençol para as aulas. Alguns outros locais , como o laboratório de anatomia, já tinham macas para mim. Depois de 2 anos a escara fechou por completo, sem cirurgia ( coisa rara!!) e foi quando voltei a sentar. Agora com cuidado redobrado pra não passar por tudo isso de novo.
Foram 6 anos de faculdade, sem atraso, formei com a turma inicial. Hoje estou fazendo minhas especializações e trabalhando ( muuuuito). Algumas pessoas não acreditam quando se deparam com uma médica cadeirante. Depois percebem que é possível exercer meu trabalho de forma plena, basta ter força de vontade e se adaptar às diversas situações ( brasileiro sempre dá um jeito pra tudo!). Poderia ter feito direito, letras, engenharia, ser modelo.... mas alguns desejos não tem como mudar. E sem dúvidas, vale a pena se esforçar pra alcançá-los.
E a cadeira?? Ah, ela é vermelha, viu. Combina comigo e me deixa ainda mais bonita. O que o fato de andar mudaria na minha vida? Sou uma pessoa feliz, realizada, estudo, trabalho, viajo, namoro, brigo, fico feliz, triste... como qualquer outra pessoa. Nunca deixei de fazer o que eu queria por não poder andar.... pode ser que demore mais, que seja mais difícil, mas eu faço! E a satisfação é inexplicável. Acredito que devemos viver o presente de forma plena , ao invés de viver esperando por um futuro incerto, que pode vir ou não a acontecer enquanto a vida vai passando.
E uma das minhas marcas é o sorriso no rosto. Por quê? Porque sou feliz com tudo que tenho. Definitivamente, sou filha do Carnaval, época de alegria que já vem marcada em nosso calendário. E é essa alegria que me acompanha pela vida toda....